sexta-feira, 23 de novembro de 2012


A Terceirização Pela Administração Pública - a Nova Súmula 331 do TST - Rafael Antonio Rebicki

Resumo: O Supremo Tribunal Federal em julgamento alterou o entendimento referente à responsabilização do Estado frente aos créditos trabalhistas provenientes de condenações contra seus prestadores de serviços. A responsabilização do ente público, conforme antiga redação da Súmula 331 do TST, visava garantir o recebimento de verbas trabalhistas legais e normativas aplicáveis ao trabalhador que cumpriu suas funções junto ao tomador de serviços. Ou seja, unicamente receberá as parcelas a que faz jus, sem qualquer tipo de declaração de vínculo empregatício, vedado pela Constituição. Dessa forma, estar-se-á garantindo que um ilícito trabalhista, consubstanciado no inadimplemento de verbas de natureza salarial ( e portanto alimentar) seja validado pelo Estado, que foi o grande beneficiado com a utilização da mão de obra do trabalhador.
Palavras-chave:  Direito do Trabalho, responsabilização do Estado, terceirização
Sumário: 1 Introdução; 2 O Estado como tomador de serviços; 3 A responsabilidade do Estado enquanto tomador de serviços terceirizados; 4   O Direito do Trabalho e a Responsabilização do Estado; 5 O entendimento do TST nas ações contra entes Públicos;  6 Considerações finais
1. Introdução
O Estado (suas autarquias e fundações) é o maior réu e o maior devedor perante o judiciário nacional. Gera ajuizamento de milhares de ações, justamente por não cumprir com suas obrigações.
Além disso, o Estado goza de privilégios processuais, recorrendo das condenações até a última instância, esgotando todos os prazos possíveis.
Estabelecida a dívida, pela constituição do título executivo, alega falta de recursos e não paga as verbas judicialmente determinadas.
Como exemplo de insolvência institucional do Estado, encontramos a Emenda Constitucional nº 30, por meio do artigo 2º, acrescentou o artigo 78 ao Ato das Disposições Constitucionais Transitórias que determina que, exceção dos precatórios de pequeno valor (definidos em lei), os de natureza alimentícia, os mencionados no art. 33, do ADCT e os que já tiverem seus recursos liberados, os demais pendentes de pagamento e oriundos de ações iniciais ajuizadas até 31 de dezembro de 1999, poderão ser quitados no prazo de até dez anos, em prestações anuais, iguais e sucessivas.
Por meio de recente decisão, o Supremo Tribunal Federal trouxe entendimento no sentido de que o Estado não é responsável pelas parcelas trabalhistas não adimplidas pelos prestadores de serviços.
Tal entendimento traz em seu bojo, afronta a princípios básicos do Direito do Trabalho, na medida em que deixa a descoberto aqueles que desempenharam suas funções em prol do Estado e deixaram de receber parcelas de natureza alimentar.
Destarte, necessário estudar as repercussões do entendimento do Supremo Tribunal Federal concernente à responsabilização do Estado, enquanto tomador de serviços, pelas verbas trabalhistas reconhecidas judicialmente e não pagas pelas empresas terceirizadas, à luz dos princípios do Direito do Trabalho, sem desatender aos princípios aos quais a Administração Pública está legal e constitucionalmente jungida.
2. O Estado como Tomador de serviços
De acordo com Maria Sylvia Zanella Di Pietro[1] serviço público é toda atividade material que a lei atribui ao Poder público, para que diretamente, ou por meio de seus delegados, sejam satisfeitas necessidades de interesse público, sob regime jurídico total ou parcialmente público.
Especificamente em relação à terceirização no serviço público ou na exploração de atividade econômica, cabe destacar que desde o Decreto-Lei nº 200/1967 já poderia ser vislumbrado o estímulo à descentralização da atividade pública e a execução indireta das obras e serviços, permitindo que a administração pública direta e indireta contratasse empresas para a realização de tarefas complementares.
“O art. 10, parágrafo 7º, desta norma tem a seguinte redação:
Para melhor desincumbir-se das tarefas de planejamento, coordenação, supervisão e controle, e com o objetivo de impedir o crescimento desmesurado da máquina administrativa, a administração procurará desobrigar-se da realização material de tarefas executivas, recorrendo, sempre, que possível à execução indireta, mediante contrato, desde que exista, na área, iniciativa privada suficientemente desenvolvida e capacitada a desempenhar os encargos de execução.”
Como se vê, está previsto na norma legal que, para efetuar a contratação de empresa prestadora de serviços, deverá ser considerada a sua capacidade efetiva de desempenhar os encargos, eis que deverá sersuficientemente desenvolvida, inclusive para saldar as obrigações de ordem  trabalhista.
“O art. 3º da Lei 5.645/70 regulamenta:
Art. 3º. As atividades relacionadas com transporte, conservação, custódia, operação de elevadores, limpeza e outras assemelhadas serão, de preferência, objeto de execução indireta, mediante contrato, de acordo com o art. 10, § 7º do Dec. 200/67.”
Ainda, a título exemplificativo, o parágrafo 1º do art. 18 da Lei Complementar 101/2000 (Lei de Responsabilidade fiscal), admite a terceirização no serviço público. Tal dispositivo legal determina que os valores dos contratos de terceirização de mão-de-obra que se referem à substituição de servidores e empregados públicos serão compatibilizados como "outras despesas de pessoal".
Já o art. 1º do Decreto 2.271/97, que regula a contratação de serviços pela Administração Pública Federal direta, autárquica e fundacional estabelece que podem ser executados indiretamente os serviços de conservação, limpeza, segurança, vigilância, transportes, informática, copeiragem, recepção, reprografia, telecomunicações, manutenção de prédios, equipamentos e instalações.
Gabriela Neves Delgado[2] leciona que:
“A terceirização de serviços é a relação trilateral que possibilita à empresa tomadora de serviços (empresa cliente) descentralizar e intermediar suas atividades acessórias (atividades-meio), para terceirizantes (empresa fornecedora), pela utilização de mão-de-obra terceirizada (empregado terceirizado), o que, do ponto de vista administrativo, é tido como instrumento facilitador para a viabilização da produção global, vinculada ao paradigma da eficiência nas empresas.”
Cabe ressaltar que a Administração Pública deve respeitar as normas  legais relativas aos direitos dos trabalhadores, sendo vedado, até por força do artigo 37 da CRFB/88, a lesão aos direitos dos trabalhadores.
Por certo, a Administração Pública deverá agir da mesma forma como exigido de empresas da iniciativa privada.
Dora Maria de Oliveira Ramos[3] leciona que a terceirização aplicada ao Direito Administrativo é aquela em que o gestor operacional repassa a um particular, por meio de contrato, a prestação de determinada atividade, como mero executor material, destituído de qualquer prerrogativa do Poder Público.
Na Administração Pública, assim como ocorre na iniciativa privada, o objetivo com a terceirização é a redução da “máquina”, com a concentração na atividade fim.
Quando o Estado se socorre com a terceirização busca desempenhar bem as suas funções, na busca da efetividade dos princípios da administração, como os elencados no artigo 37 da CRFB/88, como o da eficiência e ainda, a título exemplificativo ao princípio da economicidade.
Carlos César Pimenta[4], quando discorre sobre as características encontradas na burocracia do Estado, aponta:
a) disfunções organizacionais;
b) pessoal desmotivado e despreparado;
c) falta de visão gerencial e de dinâmica de informação;
d) excesso burocracia;
A Emenda Constitucional 19/98 trouxe à baila o princípio da eficiência, que determina que o Poder Público deve primar pela excelência dos meios utilizados para a execução de suas atividades.
Na mesma esteira, o princípio da economicidade se mostra de grande importância, considerando a necessidade de adequar as medidas de política econômica com os princípios da Constituição.
Nesse ínterim a terceirização se mostra bastante interessante para a Administração Pública que transfere para os prestadores de serviços atividades que, mesmo que de forma indireta, fazem parte dos objetivos do Estado.
O Estado se tornou um grande utilizador dos serviços terceirizados, contratando milhares de trabalhadores, por meio de empresas terceirizadas, que por vezes não cumprem com a totalidade de suas obrigações.
4. A responsabilidade do Estado enquanto tomador de serviços terceirizados
Na hipótese de o ente público contratar com empresa que não cumpre com suas obrigações legais, a ponto de causar prejuízos aos trabalhadores, é que reside a celeuma recente perante o Supremo Tribunal Federal.
A Ação Direta de Constitucionalidade 16 foi proposta pela Procuradoria-Geral do Distrito Federal, sendo que diversos Estado e Municípios ingressaram na condição de amicus curie, como exemplo, os Estados do Mato Grosso do Sul, Minas Gerais, Pará, Pernambuco, Rio Grande do Norte, Rio de Janeiro, Roraima, São Paulo e Tocantins[5].
No centro da discussão, está a chamada Lei das Licitações, mais especificamente o artigo 71, parágrafo 1º, da Lei 8.666/1993.
O dispositivo em questão prevê que a inadimplência de um contratado pelo Poder Público em relação a encargos trabalhistas, fiscais e também comerciais não transfere à administração pública a responsabilidade por seu pagamento, tampouco onera o objeto do contrato ou restringe a regularização e o uso das obras e edificações, inclusive perante o Registro de Imóveis.
O entendimento do TST, consubstanciado pela Súmula 338, alterada recentemente,  assim preceitua:
“331 - Contrato de prestação de serviços. Legalidade (Revisão da Súmula nº 256 - Res. 23/1993, DJ 21.12.1993. Inciso IV alterado pela Res. 96/2000,  DJ 18.09.2000. Nova redação do item IV e inseridos os itens V e VI - Res. 174/2011 - DeJT 27/05/2011)
IV - O inadimplemento das obrigações trabalhistas, por parte do empregador, implica a responsabilidade subsidiária do tomador dos serviços quanto àquelas obrigações, desde que haja participado da relação processual e conste também do título executivo judicial. (art. 71 da Lei nº 8.666, de 21.06.1993 - Nova Redação - Res. 174/2011 - DeJT 27/05/2011)
V - Os entes integrantes da Administração Pública direta e indireta respondem subsidiariamente, nas mesmas condições do item IV, caso evidenciada a sua conduta culposa no cumprimento das obrigações da Lei nº 8.666, de 21.06.1993, especialmente na fiscalização do cumprimento das obrigações contratuais e legais da prestadora de serviço como empregadora. A aludida responsabilidade não decorre de mero inadimplemento das obrigações trabalhistas assumidas pela empresa regularmente contratada. (Inserido - Res. 174/2011 - DeJT 27/05/2011)
No julgamento da Ação Direta de Constitucionalidade 16, e contrariamente ao que se observa na iniciativa privada, o Supremo Tribunal Federal decidiu que o Estado não é responsável pelas obrigações trabalhistas das empresas terceirizadas que contrata.
Entenderam os Ministros do Supremo que somente falta de zelo pela administração pública poderá fazer com que esta se responsabilizar solidariamente pelas empresas contratadas.
Em decorrência dessa decisão do Supremo Tribunal Federal, a ministra Cármen Lúcia Antunes Rocha, cassou quatro decisões do Tribunal Superior do Trabalho, baseadas na anterior redação da Súmula 331 do TST, que impunha a responsabilidade subsidiária do Estado aos contratos.
Para justificar a cassação das decisões, a Ministra Carmen Lúcia assim fundamentou[6]:
“Assim, ao afastar a aplicação do § 1º do artigo 71 da Lei n. 8.666/93, com base na Súmula 331, inc. IV, o Tribunal Superior do Trabalho descumpriu a Súmula Vinculante n. 10 do Supremo Tribunal Federal, pois negou a vigência do dispositivo pretensamente por ser ele incompatível com a Constituição”, ressaltou a ministra. Ela salientou que ao analisar a ADC nº 16, o Supremo decidiu que os ministros poderiam julgar monocraticamente os processos relativos à matéria, “na esteira daqueles precedentes”.
Destarte, a ministra entendeu que o entendimento firmado pelo Supremo Tribunal Federal é distinto do ato do Tribunal Superior do Trabalho, por fim, cassou os atos questionados.
Tal entendimento traz sérias conseqüências e anda contra os mais comezinhos princípios do Direito do Trabalho.
5. O Direito do Trabalho e A Responsabilização do Estado
O Direito do Trabalho surgiu com o fim de atender às reivindicações dos envolvidos na relação de emprego e na organização econômica contemporânea, no conflito capital x trabalho. 
Segundo Amauri Mascaro Nascimento, do mesmo modo que o direito é resultado da pressão de fatos sociais que, apreciados segundo os valores, resultam em normas jurídicas, o direito do trabalho se põe numa perspectiva semelhante. Seu desenvolvimento sempre se ordenou sobre uma relação entre particulares[7].
O núcleo basilar de princípios especiais do Direito do Trabalho, na lição de Maurício Godinho Delgado é o princípio da proteção do trabalhador, segundo o qual o direito do trabalho estrutura em seu interior, com suas regras, institutos, princípios e presunções próprias, uma teia de proteção à parte hipossuficiente na relação empregatícia – o obreiro - , visando retificar (ou atenuar), no plano jurídico, o desequilíbrio inerente ao plano fático do contrato de trabalho[8].
Américo Plá Rodrigues, um dos grandes expoentes dos princípios do Direito do Trabalho, além do princípio da proteção e de outros, leciona sobre o  princípio da boa-fé como um princípio específico do Direito do Trabalho.
Segundo o mestre se se acredita que há obrigação de ter rendimento no trabalho, é porque se parte da suposição de que o trabalhador deve cumprir seu contrato de boa-fé e entre as exigências da mesma se encontra a de colocar o empenho normal no cumprimento da tarefa determinada[9].
Apesar de o princípio da boa-fé não ser exclusivo do Direito do Trabalho, é de suma importância, porquanto a relação de emprego não se resume a um negócio circunstancial ou a uma transação mercantil, mas, segundo Plá Rodrigues, contém “vínculos sociológicos pessoais e permanentes”.
Segundo Plá Rodrigues[10], o objetivo final é alcançar-se uma igualdade substancial e verdadeira entre as partes.
Uma das formas de materialização do princípio é a aplicação da norma mais benéfica ao trabalhador.
Ou seja, existindo duas regras disciplinando uma determinada situação concreta - em se tratando de direito do trabalho - aplica-se aquela que resulte em maiores benefícios ao empregado, afastando-se o princípio da hierarquia das normas, bem como as regras de aplicação das leis no tempo e no espaço.
Importante um lançar de olhos sobre os princípios da interpretação constitucional, na lição do mestre de J.J. G. Canotilho, na resolução dos problemas jurídico-constitucionais deve dar-se primazia aos critérios ou pontos de vista que favoreçam a integração política e social e o reforço da unidade política[11].
Ainda, ao versar sobre o princípio da máxima efetividade das normas, ensina Canotilho a interpretação da Constituição precisa pautar-se no sentido de conceder a maior efetividade social além de conferir-lhe a máxima efetividade.
Para tanto, leciona[12] que na solução dos problemas jurídico-constitucionais deve dar-se prevalência aos pontos de vista que, tendo em conta os pressupostos da constituição (normativa, contribuem para uma eficácia ótima da lei fundamental. Consequentemente, deve dar-se primazia às soluções hermenêuticas que, compreendendo a historicidade das estruturas constitucionais, possibilitam a actualização (sic) normativa, garantindo, do mesmo pé, a sua eficácia e permanência.
Na lição de Lenio Luiz Streck[13]:
“Com efeito, a Constituição nasce como um paradoxo porque, do mesmo modo que surge como exigência para conter o poder absoluto do rei, transforma-se em um indispensável mecanismo de contenção do poder.”
No conceito de Ingo Sarlet[14], entende-se como dignidade humana a  qualidade intrínseca e distintiva de cada ser humano que o faz merecedor do mesmo respeito e consideração por parte do Estado e da comunidade, implicando, neste sentido, um complexo de direitos e deveres fundamentais que assegurem a pessoa tanto contra todo e qualquer ato de cunho degradante e desumano, como venham a lhe garantir as condições existenciais mínimas para uma vida saudável, além de propiciar e promover sua participação ativa e co-responsável nos destinos da própria existência e da vida em comunhão com os demais seres humanos.”
E a Constituição, apesar de conter disposição que veda a contratação no serviço público sem concurso público, garante a todos uma sociedade que valoriza a dignidade da pessoa humana e o primado do trabalho.
Nas palavras do Mestre Miguel Reale, na sua clássica obra “Teoria Tridimensional do Direito”, encontramos:
Penso que, para os objetivos do presente trabalho, bastam essas referências para determinar-se o que entendo por valor, quando emprego esta palavra em minha teoria tridimensional do Direito, para indicar uma “intencionalidade historicamente objetivada no processo da cultura, implicado sempre o sentido vetorial de uma ação possível” (REALE, 1994, p. 94).
E ainda, conforme os ensinamentos de Miguel Reale[15]., a norma jurídica é a forma que o jurista usa para expressar o que deve ou não deve ser feito para a realização de um valor ou impedir a ocorrência de um desvalor.
Com o julgamento e o posicionamento do Supremo Tribunal Federal na decisão da Ação Direta de Constitucionalidade 16, há grave mácula dos princípios básicos do Direito do Trabalho, e mais, nas palavras de Reale, incorre na consolidação de um “desvalor”.
Em verdade, a importância da questão também verifica-se pela necessidade de proteção da dignidade da pessoa humana do trabalhador pelo direito.
Na lição de Pedro Pais Vasconcelos[16], a  pessoa humana constitui o fundamento ético-ontológico do  Direito.
No mesmo sentido, Aguiar de Luque[17], sustenta que sob a perspectiva jurídica, parece inquestionável que os direitos fundamentais não estejam submetidos a limites e restrições, ainda que isso ocorra apenas diante da sua necessidade de articulação com os direitos dos demais cidadãos.
Na lição de Gilmar Mendes[18] “entende-se como Estado Democrático de Direito a organização política em que o poder emana do povo, que o exerce diretamente ou por meio de representantes, escolhidos em eleições livres e periódicas, mediante sufrágio universal. No plano das relações concretas entre o Poder e o indivíduo, considera-se democrático aquele Estado de Direito que se empenha em assegurar aos seus cidadãos o exercício efetivo não somente dos direitos civis e políticos, mas também e sobretudo dos direitos econômicos, sociais e culturais, sem os quais de nada valeria a solene proclamação daqueles direitos.”
Segue o atual Ministro do STF, Gilmar Mendes, lecionando que o Estado Democrático de Direito é aquele que se pretende aprimorado, na exata medida em que não renega, antes incorpora e supera, dialeticamente, os modelos liberal e social que o antecederam e que propiciaram o seu aparecimento no curso da História.”
Na palavras de Maurício Godinho Delgado[19], versando sobre a terceirização:
“Como se sabe, o Direito é essencialmente finalístico, incorporando valores e metas considerados socialmente relevantes em certa época histórica, essa absorção jurídica da terceirização teria, evidentemente, de se fazer na direção da harmonização possível da fórmula terceirizante aos fins e valores essenciais do Direito do Trabalho.”
Assim, ao negar ao trabalhador o recebimento pelo trabalho, o Supremo Tribunal Federal age de forma contrária ao ordenamento jurídico como um todo, afrontando inclusive direitos fundamentais dos trabalhadores.
6. Argumentos para a “absolvição” do Estado
Segundo leciona Sérgio Pinto Martins, quando o trabalhador emprega sua energia de trabalho, não é possível determinar o retorno do empregado ao status quo ante, justamente por não ser possível tal energia, pelo que deve  receber de quem foi beneficiado da prestação dos serviços a respectiva contrapartida.
Nas palavras de Martins[20], o não pagamento das verbas trabalhistas devidas ao empregado mostra a inidoneidade financeira da empresa prestadora de serviços.
Conclui que a tomadora de serviços tem culpa in eligendo e in vigilando pela escolha inadequada da empresa inidônea financeiramente e por não a fiscalizar pelo cumprimento das obrigações trabalhistas.
A discussão sobre a culpa, contudo, à luz dos princípios do Direito do Trabalho, é de importância secundária.
Conforme Emerson Gabardo[21], na contemporaneidade a idéia de manutenção de uma democracia de caráter social implica a adoção de interpretação moral da constituição que seja capaz de unir os pontos positivos de ambas as tradições de Direito Público, em substituição de interpretação puramente pragmática.
Isto porque o trabalhador que já forneceu sua energia de trabalho precisa receber a contraprestação.
Airton Rocha Nóbrega[22] é contrário à responsabilização do Estado, justificando que, quando a Administração cumpre regularmente as suas obrigações contratuais, não dá ensejo a qualquer tipo de responsabilidade.
O Autor fazia críticas à anterior redação da Súmula 331 do C. TST, asseverando que o entendimento nega à Administração Pública, o direito à ampla defesa e ao contraditório, considerando que a relação de emprego foi orientada e supervisionada apenas pelo empregador e não pela repartição.
Os maiores defensores da não responsabilização do Estado, porém, utilizam a Lei nº 8.666/9 3 (art. 71), que dispõe que a empresa fornecedora de mão-de-obra que contrata com a administração pública indireta é a única responsável pelos encargos trabalhistas resultantes da execução desses serviços no órgão público tomador.
Outrossim, sustentam que o artigo art. 37, II e § 2º da CRFB/88, determina que a investidura em cargo ou emprego público depende de prévia aprovação em concurso público, sob pena de nulidade do ato e punição da autoridade responsável.
Nessa toada, é o entendimento da 8ª. Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª. Região[23]:
“ILEGITIMIDADE DE PARTE. CONTRATAÇÃO DE TRABALHADOR POR EMPRESA INTERPOSTA. TOMADORA CONTRATANTE: DERSA - DESENVOLVIMENTO RODOVIÁRIO S/A - SOCIEDADE ANÔNIMA DE CAPITAL AUTORIZADO. ÓRGÃO DA ADMINISTRAÇÃO INDIRETA DO ESTADO DE SÃO PAULO. A Lei nº 8.666/9 3 (art. 71), dispõe que a empresa fornecedora de mão-de-obra que contrata com a administração pública indireta é a única responsável pelos encargos trabalhistas resultantes da execução desses serviços no órgão público tomador. Por outro lado, se a própria CF (art. 37, II e § 2º) determina que a investidura em cargo ou emprego público depende de prévia aprovação em concurso público, sob pena de nulidade do ato e punição da autoridade responsável, não pode o Poder Judiciário substituir a vontade do legislador e criar nova forma de investidura, o que ocorreria se fosse admitida a responsabilidade subsidiária por parte da entidade pública contratante. Inteligência do Enunciado nº 331, II, do C. TST, que dispõe no sentido de que a contratação irregular de trabalhador, através de empresas interpostas, não gera vínculo de emprego com os órgãos da Administração Direta, Indireta ou Fundacional. Inaplicabilidade do inciso IV, do Enunciado suprarreferido. Extinção do processo sem julgamento de mérito por ilegitimidade de parte da empresa tomadora. “
Contudo, não era o caso do entendimento da Súmula 331 do TST. Veja-se que não havia por parte do Tribunal Superior do Trabalho a declaração de vínculo de emprego com a administração, mas unicamente a possibilidade de responsabilizar o ente público no caso de inadimplemento de verbas por prestador de serviços que fora, legal e legitimamente contratado pelo Estado com a intenção de executar parte de suas atividades, mesmo que consideradas como não essenciais.
A CRFB/88 reconhece a responsabilidade objetiva estatal, conforme preceitua o artigo 37, parágrafo 6º, que assim institui:
“§ 6º. As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa.”
Destarte, é possível concluir que a empresa prestadora de serviços age como agente público, porquanto a ela foi delegada a tarefa de executar atividade de responsabilidade do Estado.
Segundo Celso Antônio Bandeira de Mello[24], agente público pode ser definido como:
"(...) sujeitos que servem ao Poder Público como instrumentos expressivos de sua vontade ou ação, ainda quando o façam apenas ocasional ou episodicamente. Quem quer que desempenhe as funções estatais, enquanto as exercita, é um agente público. Por isto, a noção abarca tanto o Chefe do Poder Executivo (em quaisquer das esferas) como os senadores, deputados e vereadores, os ocupantes de cargos ou empregos públicos da Administração direta dos três Poderes, os servidores das autarquias, das fundações governamentais, das empresas públicas e sociedades de economia mista nas distintas órbitas de governo, os concessionários, os permissionários de serviço público, os delegados de função ou ofício público, os requisitados, os contratados sob locação de serviços e os gestores de negócios públicos".
É possível, assim considerar a empresa prestadora de serviços  como um agente público do Estado. Se referida empresa não pagar seus empregados, causou-lhes dano, o que atrairia o dever do Estado em indenizar, conforme previsão constitucional (artigo 37, § 6º.).
Há quem entenda que a responsabilidade prevista no art. 37, § 6º da CR/88 refere-se apenas aos atos dos agentes público e não às suas omissões.
Contudo, novamente a discussão conceitual deve ser desconsiderada, considerando que o direito do trabalhador deve prevalecer, porquanto necessário para resguardar sua dignidade.
7. O entendimento do TST nas ações contra entes Públicos
Em que pese o entendimento do Supremo Tribunal Federal, cabe destacar que há outras Súmulas desse Tribunal Superior que favorecem ao Estado.
Por exemplo, é possível citar a Súmula 363 revisada em 2003,  que assim preceitua:
“363 - Contrato nulo. Efeitos. A contratação de servidor público, após a CF/1988, sem prévia aprovação em concurso público, encontra óbice no respectivo art. 37, II e § 2º, somente lhe conferindo direito ao pagamento da contraprestação pactuada, em relação ao número de horas trabalhadas, respeitado o valor da hora do salário mínimo, e dos valores referentes aos depósitos do FGTS.”
Outrossim, as empresas públicas e autarquias sem qualquer dúvida, gozam de privilégios perante o TST, se comparado com as mesmas situações observadas na atividade privada.
Como exemplo, é possível citar a Orientação Jurisprudencial 70 da SDI-1 do referido tribunal que assim preceitua:
“70. Caixa Econômica Federal. Bancário. Plano de Cargos em Comissão. Opção pela jornada de oito horas. Ineficácia. Exercício de funções meramente técnicas. Não caracterização de exercício de função de confiança. (DeJT 26/05/2010)
Ausente a fidúcia especial a que alude o art. 224, § 2º, da CLT, é ineficaz a adesão do empregado à jornada de oito horas constante do Plano de Cargos em Comissão da Caixa Econômica Federal, o que importa no retorno à jornada de seis horas, sendo devidas como extras a sétima e a oitava horas laboradas. A diferença de gratificação de função recebida em face da adesão ineficaz poderá ser compensada com as horas extraordinárias prestadas”.
Tal benefício, que autoriza o abatimento do valor recebido a título de gratificação de função das horas extras deferidas, apenas existe para a Caixa Econômica Federal.
A iniciativa não é extensiva à iniciativa privada, o que demonstra claro favorecimento.
Da mesma forma, a iniciativa privada é responsabilizada pelo pagamento de remuneração em face do princípio da isonomia, mesmo que não possível o vínculo com a administração pública.
É a situação verificada, na recentemente editada orientação jurisprudencial 383 da SDI-1 do TST, a saber:
“383. TERCEIRIZAÇÃO. EMPREGADOS DA EMPRESA PRESTADORA DE SERVIÇOS E DA TOMADORA. ISONOMIA. ART. 12, “A”, DA LEI Nº 6.019, DE 03.01.1974. A contratação irregular de trabalhador, mediante empresa interposta, não gera vínculo de emprego com ente da Administração Pública, não afastando, contudo, pelo princípio da isonomia, o direito dos empregados terceirizados às mesmas verbas trabalhistas legais e normativas asseguradas àqueles contratados pelo tomador dos serviços, desde que presente a igualdade de funções. Aplicação analógica do art. 12, “a”, da Lei nº 6.019, de 03.01.1974.”
Ou seja, o que se verifica junto ao TST, não é afronta à Constituição ou ao princípio existente na Lei de licitações.
Muito menos, se observa junto ao Tribunal Superior do Trabalho a intenção de afrontar os princípios constitucionais que regem a administração pública.
O que se busca, é a defesa dos interesses dos trabalhadores, em defesa aos princípios e regras legais que norteiam o Direito do Trabalho.
8. Considerações finais
Conforme o exposto, a decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal ao julgar a Ação Direta de Constitucionalidade n. 16, não está de acordo com os princípios norteadores do Direito do Trabalho.
A nova redação da Súmula 331 do C. TST nega a eficácia contida no preceito do artigo 37, caput, II e parágrafo 2º da CRFB/88. Tais preceitos existem em virtude de grande esforço democrático e busca da moralização da administração pública incorporador pela nova ordem constitucional.
Pelo contrário, a existência de previsão de responsabilização subsidiária da Administração Pública, enquanto tomadora de serviços terceirizados, no caso de inadimplemento das verbas trabalhistas devidas àqueles que contribuíram para os fins do Estado, visa a garantia do princípio da isonomia, previsto no artigo 5º, caput e inciso I, assim como artigo 7º, Inciso XXXII da CRFB/88.
Dessa forma o direito age no cerne da questão da relação jurídica trabalhista pactuada, afastando os nocivos e discriminatórios efeitos que o inadimplemento das verbas de natureza alimentar podem gerar aos trabalhadores.
Veja-se, a responsabilização do ente público, conforme antiga redação da Súmula 331 do TST, visava garantir unicamente o recebimento de todas as verbas trabalhistas legais e normativas aplicáveis ao trabalhador que cumpriu suas funções junto ao tomador de serviços. Ou seja, unicamente receberá as parcelas a que faz jus, sem qualquer tipo de declaração de vínculo empregatício, vedado pela Constituição.
Dessa forma, estar-se-á garantindo que um ilícito trabalhista, consubstanciado no inadimplemento de verbas de natureza salarial ( e portanto alimentar) seja validado pelo Estado, que foi o grande beneficiado com a utilização da mão de obra do trabalhador.

Notas:
[1] DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 17. ed. São Paulo: Atlas. 2004, p, 99.
[2] DELGADO, Gabriela Neves. Curso de Direito do Trabalho2. ed. São Paulo: LTr, 2003. p. 429-430
[3] RAMOS, D. M. Terceirização na Administração PúblicaSão Paulo: LTr, 2001. p 179.
[4] PIMENTA, Carlos César. Novos modelos de gestão descentralizada e de parcerias para as administrações estaduaisRevista de Administração Pública. v. 29, n. 3. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 1994, p. 169.
[5] Consulta Site do STF :
[6] Consulta Site TST:

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